sábado, 27 de fevereiro de 2010

Madame Bovary à treize années


música do vídeo: Setting of the Sun, do Ben Jelen


Eu tinha 13 anos, 7 meses e 7 dias quando comecei a ler esse livro, que terminei 18 dias depois - muito tempo para mim. Quanto ao seu conteúdo eu era totalmente inocente. Eu realmente não sabia do que se tratava.
Foi assim que o conheci:
Estava eu, numa tarde qualquer daquele ano, andando tranquilamente a caminho da biblioteca. Chegando lá decidi explorá-la um pouco observando a estante de Literatura Francesa – porque eu acho uma língua charmosíssima, amo Cyrano de Bergerac, etc. Lá eu o vejo. E, interessada no título – simplesmente um nome -, eu o pego.
Um livro de um modelo clássico: páginas amareladas; capa dura azul escura; somente o título e o nome do autor, Gustave Flaubert; atrás, nada. Nenhuma sinopse.
Lendo o título eu tive a impressão de já ter ouvido falar nela, e pensei “Quem foi essa mulher?”. E decidi lê-lo.
Tempos depois fui à biblioteca devolver Matilda. E na quinta-feira, 1° de novembro, eu peguei Madame Bovary. – Até hoje não me conformo em tê-lo pego depois de ler Matilda – tão fofo, tão inocente.
No começo eu não entendi nada, mas não queria desistir. Era como um desafio. Um livro mais sério. Um livro francês, da metade do século XIX, grosso, com um monte de palavras que eu não conhecia e nomes em francês! E, além disso, eu nem sabia do que se tratava! Estava completamente perdida.
Começou em primeira pessoa. Então pensei que seria ele todo assim, ou até mesmo um diário, escrito pela própria Madame Bovary. Mas começou a contar a história de Charles Bovary e seus pais, o que me fez pensar que a tal seria a mãe dele. Só que de tanto falar no Charles eu pensei que ele ia virar travesti e seria ele mesmo a protagonista. (Mas foi só uma hipótese, uma idéia súbita – e absurda – que me veio à cabeça.)
Ele conheceu uma moça linda e meiga chamada Emma e casou-se com ela. A protagonista finalmente apareceu! O começo do casamento foi ótimo. Mas depois… ela caiu nas garras do tédio e eles viviam na rotina. (Bom, minha vida também estava um tédio, e por isso estava lendo!)
Eu logo percebi que ela precisava de um novo amor. Com o Charles não tava mais dando! Coitada, tão solitária e infeliz. Só achava companhia nos livros que lia. E o pior é que o marido ainda achava que ela era feliz! Ele sorria observando-a e pensava que, mesmo sem ele fazer nada, ela era feliz!
Ele agora a beijava em horas certas – algo como tomar banho ou escovar os dentes: quando saía para trabalhar e na hora de dormir!

Depois de uma prova sobre Romeu e Julieta na última aula encontrei a Catia, minha professora de História, na entrada da quadra, e fiquei conversando com ela. E, na mais pura inocência, disse que estava lendo Madame Bovary. Ao que ela logo respondeu: “Ah, Bovary é sem-vergonha!” Detalhe: ela nem disse madame.
Meu queixo caiu. Fiquei sem palavras. Congelei. Ela percebeu que eu não sabia o que dizer e falou: “Ela saía com todo mundo, não é?” Eu respondi não. (Eu tinha que defender a personagem que estava lendo!) “É sim”, ela retrucou. E eu tive que concordar: “mais ou menos”. Ela ainda acrescentou: “Pra época dela, ela era uma biscate!”
!
Ela disse aquilo com tanta tranqüilidade. Eu pensei “Mas ela ainda não traiu ele. Até onde eu li.” Mas o papo-Madame-Bovary tinha acabado ali. E ela o encerrou em grande estilo.
Fui para casa sorrindo, ainda surpresa. “Ela disse que Madame Bovary é sem-vergonha!”, pensava eu. E na tarde daquele mesmo dia, lendo no sofá da sala, sozinha, cheguei a uma frase que dizia “…e ela entregou-se.” Fiquei inquieta. “Como assim ‘ela se entregou’? Em que sentido? Quer dizer que ela desabafou, disse como era infeliz no casamento, chorou… Ou se entregou… no sentido sexual da coisa?”
Como eu não tinha certeza de nada, resolvi parar de pensar e continuar lendo. Conclusão? Ela fez amor com ele. Ah, o nome dele era Rodolphe. Aconteceu num passeio a cavalo, certamente num lindo bosque. Ele a seduziu e ela se entregou.

No dia seguinte perguntei à Susana, minha ex-professora de Português, se ela já o tinha lido. Ela disse que era… - ela estava procurando uma palavra para defini-lo – imoral para a época. E era. Tanto que foi processado por ofensa à moral pública e religiosa e aos bons costumes. Que não deu em nada. Pelo contrário, deixou o autor mais famoso.
E o Rodolphe, o que ele estava pensando! “Com duas ou três palavras de galanteio ela será posse adorável.” Isso é coisa que se pense a respeito de uma mulher? Ainda mais casada, no século XIX? (Tudo bem que ele estava certo, mas mesmo assim) “Eu adoro mulheres pálidas”… Posso te garantir que ela não ficava mais pálida quando estava com ele.
Foi muito bom, mas acabou. Eles iam fugir e ele a abandonou. Ela estava realmente apaixonada. Ficou doente, foi horrível. E depois que se salvou virou até religiosa. E, por conta disso, hesitou em se envolver num terceiro relacionamento. Até porque agora ela era mais velha. – Até parece que ela não dava conta do recado!
Aconteceu algum tempo depois do Rodolphe. Ela reencontrou um amigo que, ela sabia, fora apaixonado por ela. Era Léon. E, depois que eles se entenderam, ela passou a ir à cidade onde ele morava uma vez por semana com a desculpa de fazer aulas de dança!
Ela curtiu, se apaixonou. Foi feliz. Novamente. Mas se cansou dele também. Agora fazia aquilo quase que ‘por obrigação’. E ele também estava cansado. Mas eles continuaram.
Ela e o marido estavam endividados, ela achou uma solução simples para se livrar.
Depois disso, o Charles encontrou as cartas que ela trocava com o amante e pensou, desolado: “Amaram-se platonicamente talvez” O que eu pensei? “Ah, claro. Amaram-se muito platonicamente.” E minha árdua leitura chegou ao fim. O que não quer dizer que isto termina aqui.

Quando fui devolver… mais uma vez fui surpreendida por alguém que já o tinha lido. Mário, o bibliotecário. Eu entrei e coloquei o livro sobre a mesa. Ele pegou, olhou para mim e perguntou: “Quem leu esse livro?” Não entendi o porquê da pergunta e respondi simplesmente ‘eu’. Ele me perguntou: “Você não achou meio pesado?” Respondi timidamente que não. (Eu não queria mentir. Mas não estava nem um pouco a fim de relatar minhas impressões sobre esse livro a uma pessoa que eu nem conhecia direito. – Nada pessoal.)
Mas ele continuou: “Um tanto indecente, picante, maçante?” Eu continuei totalmente sem-graça e respondi novamente que não. – Eu não consegui mudar de idéia como eu fiz com a Catia. – Ele me devolveu a carteirinha e finalmente me deixou em paz.
E na última quinta-feira de aula eu fiquei conversando com a Catia. Disse que tinha terminado o livro e dei minha conclusão: ela nunca seria feliz. – os românticos que me desculpem, mas não fui eu quem escreveu o livro. – E a Catia ainda teve a coragem de repetir aquilo! “Ela era uma biscatinha.” - disse ela, sorrindo. – e agora no diminutivo!
Contei também sobre o interrogatório na biblioteca. E ela me ajudou perfeitamente: “Mas não era nada… que você não conhecesse” – Exatamente! Não é nada de outro mundo. Faz parte da história da humanidade.
E depois de tudo isso eu me perguntei “Quem, da minha idade, já leu Madame Bovary?” ou “Quem leu Madame Bovary quando tinha 13 anos de idade?” Fiquei orgulhosa de mim.

2 comentários:

  1. Adorei seu texto, Karol! Muito lindo!
    Gostei do jeito romanceado que você narrou sua experiência com o livro, ficou mara!
    E uau, com treze anos lendo literatura francesa? Nem tenho o que comentar...
    E essa música é muito linda! O clipe é maravilhoso também, mas muito triste! Essa história deve ser linda, preciso tomar vergonha na cara e ler logo esse livro que eu tô dizendo que vou ler desde o ano passado...É tenso!

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  2. Eu disse que quase chorei quando vi esse clipe...

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