segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O Outro


Dias atrás eu tive uma aula realmente interessante, até especial. Nós continuamos a discutir o conto “O Búfalo” de Clarice Lispector, e a professora passou elementos e etapas de interpretação, entre eles a psicanálise.
Ela falou da coexistência, que nós coexistimos em sociedade. E falou da questão do “outro”, dizendo que buscamos no outro o que falta em nós – a mulher do conto, no caso, buscava um sentimento que ela não tinha. A busca pelo estranho que parecia já ser parte dela.
A professora começou dizendo que às vezes a gente gosta de alguém e não sabe por que gosta. Às vezes a gente se aproxima de uma pessoa e não sabe por quê. Isso me agrada. E esse gostar, essa aproximação espontânea da qual ela falava despertou algo em minha memória.
Prestando atenção ao que ela diz, às vezes me lembro de outras coisas, faço associações, me lembro de frases que sintetizam o que foi dito. Nem sempre posso dizer tudo, ou acabaria interrompendo.
Enquanto ela falava sobre o outro, ter o outro como espelho, eu me lembrei de um texto que eu escrevi há mais de dois anos e pensei “É exatamente isso. O que ela está falando, tem tudo a ver.” E eu tremia, ansiosa para falar. Mas não era o tipo de tremor por causa do nervosismo que os alunos sentem ao falar para a professora e para toda a classe. Não, não era. Era um tremor vindo da necessidade que eu tive de me expressar. Senti-me assim em alguns momentos, não exatamente pela vontade de me expressar, mas porque algo havia me tocado por dentro, me lembrando de algo que me faz bem. Um tipo de prazer proporcionado apenas pela arte.
Enfim eu levantei a mão e ela me permitiu a fala, e eu falei o texto que estava na minha cabeça.
Olhos negros me encontram.
Gentis, me chamam.
Seus movimentos são suaves,
me atraem, me cativam.
Fazem de mim um espelho,
recebendo e propondo.
Juntos, criamos.
Sem me tocar, me toca.
Me embala numa doce canção de ninar.*
Eu disse, olhando em seus olhos escuros, profundos e, por vezes, impenetráveis. Ela que, assim como quem inspirou o poema, tem olhos escuros que contrastam com sua pele clara.
Quando terminei, ela me respondeu “Bonito. Qual o autor?”.
Se eu me senti uma escritora nesse momento? Não, imagina...
Bem, a verdade é que eu sorri, lisonjeada (e um pouco surpresa) e respondi “É meu”.

*Espelho

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