Dias atrás eu tive uma aula realmente interessante, até especial. Nós
continuamos a discutir o conto “O Búfalo” de Clarice Lispector, e a professora
passou elementos e etapas de interpretação, entre eles a psicanálise.
Ela falou
da coexistência, que nós coexistimos em sociedade. E falou da questão do
“outro”, dizendo que buscamos no outro o que falta em nós – a mulher do conto, no
caso, buscava um sentimento que ela não tinha. A busca pelo estranho que
parecia já ser parte dela.
A professora
começou dizendo que às vezes a gente gosta de alguém e não sabe por que gosta.
Às vezes a gente se aproxima de uma pessoa e não sabe por quê. Isso me agrada.
E esse gostar, essa aproximação espontânea da qual ela falava despertou algo em
minha memória.
Prestando
atenção ao que ela diz, às vezes me lembro de outras coisas, faço associações,
me lembro de frases que sintetizam o que foi dito. Nem sempre posso dizer tudo,
ou acabaria interrompendo.
Enquanto
ela falava sobre o outro, ter o outro como espelho, eu me lembrei de um texto
que eu escrevi há mais de dois anos e pensei “É exatamente isso. O que ela está
falando, tem tudo a ver.” E eu tremia, ansiosa para falar. Mas não era o tipo
de tremor por causa do nervosismo que os alunos sentem ao falar para a
professora e para toda a classe. Não, não era. Era um tremor vindo da
necessidade que eu tive de me expressar. Senti-me assim em alguns momentos, não
exatamente pela vontade de me expressar, mas porque algo havia me tocado por
dentro, me lembrando de algo que me faz bem. Um tipo de prazer proporcionado
apenas pela arte.
Enfim eu
levantei a mão e ela me permitiu a fala, e eu falei o texto que estava na minha
cabeça.
Olhos negros me encontram.
Gentis, me chamam.
Seus movimentos são suaves,
me atraem, me cativam.
Fazem de mim um espelho,
recebendo e propondo.
Juntos, criamos.
Sem me tocar, me toca.
Me embala numa
doce canção de ninar.*
Eu disse,
olhando em seus olhos escuros, profundos e, por vezes, impenetráveis. Ela que,
assim como quem inspirou o poema, tem olhos escuros que contrastam com sua pele
clara.
Quando
terminei, ela me respondeu “Bonito. Qual o autor?”.
Se eu me
senti uma escritora nesse momento? Não, imagina...
Bem, a verdade é que eu sorri, lisonjeada (e um
pouco surpresa) e respondi “É meu”.*Espelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário