É verdade que quase não conhecemos as pessoas. Aliás, nos
conhecemos muito pouco. Como já disse Clarice Lispector, “Sou meu desconhecido”
– e se ela disse, quem sou eu para discordar. Nós nos descobrimos e
redescobrimos ao longo da vida. Mas até que ponto uma pessoa se reconhece?
Qualquer um pode se identificar com um texto, um personagem,
um autor. Pensar “oh, meu Deus, achei que eu fosse o único que pensasse
assim”. Ou que aquilo que está lendo se
encaixa perfeitamente com algum momento de sua vida.
Mas, e quando alguém que você conhece escreve algo sobre
você (sem dizer seu nome), você seria capaz de reconhecer? Se for algo que você
vivenciou com a pessoa, algo que você disse ou fez, provavelmente sim, correto?
Mas e quando não é tão óbvio? Você seria capaz de identificar se aquilo é ou
não para você, ou nem sequer pensaria nisso?
Digo isso não só porque escrevo (felizmente, minhas
inspirações não são todas de carne e osso), mas também porque,
surpreendentemente, já escreveram sobre mim. Eu nunca pensei que alguém pudesse
me descrever como “delicada como a rosa, misteriosa como o vento”. Pois é, eu
não me reconheci. Mas adorei, foi meu momento musa (não me leve a mal). Se eu
tivesse apenas lido em algum lugar, jamais pensaria “eu sou assim”, “isso é pra
mim”. Eu provavelmente pensaria “como eu gostaria de ser assim”, porque eu não
me vejo dessa forma (bem, não exatamente), e não pensei que alguém pudesse me
ver assim.
Curiosamente, isso se encaixa perfeitamente com a imagem que
eu tinha de uma amiga minha (nós já éramos amigas ou eu queria ser amiga dela?
Enfim...) Uma garota mais quieta do que eu e muito inteligente. Eu a via assim,
embora não tivesse formado essas palavras, e não sabia que eu era assim também.
Se me dissessem “escrevi algo sobre você” ou “para você” eu
ficaria no mínimo, no mínimo curiosa.No livro Marina, de Carlos Ruiz Zafón, Marina confessa a Óscar que está
escrevendo sobre ele. Óscar fica completamente assustado.
- Sobre mim? O que quer dizer com escrever sobre mim?
- Quer dizer a seu respeito, não em cima de você, como se
fosse uma escrivaninha.
- Até aí eu também cheguei.
Marina se divertia com aquele nervosismo repentino.
- E então? – perguntou. – Faz uma ideia tão ruim de si mesmo
que não pode aceitar que valha a pena escrever a seu respeito? (p.50)
Bem, talvez ele não fizesse uma ideia tão ruim de si mesmo.
Provavelmente ele só não imaginava o que ela
poderia ver de bom nele. Também
não duvido que ele preferisse ser feito de escrivaninha – momentaneamente, pelo
menos.